Estudo revela o primeiro registro mineiro da rara anfisbena-do-sudeste, reforçando a biodiversidade do Brasil e a importância da ciência cidadã.
Um estudo recente publicado na revista Evolutionary Systematics trouxe à tona uma descoberta histórica: o primeiro registro da anfisbena-do-sudeste (Amphisbaena hogei) em Minas Gerais. A espécie, conhecida popularmente como cobra-de-duas-cabeças, foi identificada a partir de um exemplar coletado há quase 180 anos em Juiz de Fora, mostrando a riqueza biológica e histórica da região.
A redescoberta de um legado perdido
A história começa em 1847, quando o naturalista dinamarquês Johannes Theodor Reinhardt recolheu o exemplar durante sua passagem pelo Brasil. Apesar de preservada no Museu de História Natural da Dinamarca, a anfisbena foi identificada incorretamente até que o professor Henrique Costa, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), corrigiu o equívoco.
Henrique constatou que a espécie, anteriormente confundida com a anfisbena-púrpura (Amphisbaena prunicolor), é, na verdade, uma representante da anfisbena-do-sudeste, que habita áreas da Mata Atlântica entre Santa Catarina e o Rio de Janeiro.
Importância da biodiversidade e conservação
Das cerca de 200 espécies de cobras-de-duas-cabeças conhecidas no mundo, 80 ocorrem no Brasil. Esses répteis, embora muitas vezes confundidos com serpentes, desempenham um papel essencial no ecossistema, alimentando-se de cupins, formigas e outros insetos subterrâneos.
“Elas não são serpentes, mas ‘primas’ delas na árvore genealógica dos répteis. Seus túneis ajudam na aeração do solo e no controle de populações de insetos”, explica Henrique Costa.
A descoberta em Juiz de Fora destaca a necessidade de mais estudos sobre a distribuição geográfica e ecologia das espécies, principalmente em regiões que passaram por urbanização intensa.
A importância dos museus de história natural
O único exemplar da anfisbena-do-sudeste de Juiz de Fora permanece preservado no Museu de História Natural da Dinamarca, servindo como prova da existência da espécie na região. Segundo Henrique, é possível que a urbanização tenha causado sua extinção local, mas a espécie pode ainda sobreviver em áreas preservadas do município.
“Essas coleções científicas são verdadeiras bibliotecas da biodiversidade, fundamentais para a compreensão da nossa fauna e flora,” ressalta o pesquisador.
Duas outras espécies em Juiz de Fora
Atualmente, duas espécies de cobras-de-duas-cabeças são encontradas na região:
- Anfisbena-gigante (Amphisbaena alba): pode atingir até 80 cm, sendo a maior espécie do mundo.
- Anfisbena-de-cabeça-pequena (Leposternon microcephalus): adaptada a cavar solos profundos, é uma das mais comuns na cidade.
Ciência cidadã: como você pode ajudar
Henrique Costa incentiva a participação da comunidade no projeto de ciência cidadã por meio da plataforma iNaturalist. Ele explica que as anfisbenas podem ser vistas na superfície após chuvas intensas, momento ideal para registros fotográficos que podem contribuir para pesquisas científicas.
“Convido todos a compartilhar fotos de anfisbenas ou qualquer ser vivo silvestre que observarem. É uma forma simples, mas poderosa, de contribuir com a ciência.”